Filhos gerados por meio de inseminação artificial tem direito de saber quem são seus pais biológicos?

14 de maio de 2021

Como inovação na reprodução humana, a inseminação artificial pode ser utilizada por casais que utilizam material genético próprio para aumentar as chances de sucesso de uma gravidez (inseminação artificial homóloga), mas a técnica também pode ser utilizada por mulheres solteiras ou casais que utilizam material genético de terceiros para viabilizar a paternidade ou maternidade (inseminação artificial heteróloga).

Nos casos de inseminação artificial heteróloga, a criança gerada por inseminação artificial tem o direito de saber quem seria o pai biológico?

Saber quem é pai ou mãe trata-se do direito de  reconhecimento da filiação, que pode ser exercido sem limitações.

As diferentes técnicas de inseminação artificial são regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que determinou o uso completamente democrático das técnicas de inseminação artificial; a vedação da eugenia ou limitação do multiculturalismo e, por fim, a obrigatoriedade da doação voluntária e gratuita, impedindo que a doação de gametas se torne uma exploração mercantil. (Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.283/2020[1]).

Porém, em relação ao reconhecimento de paternidade, o capítulo IV, item 4 da Resolução do CFM  determinou o sigilo obrigatório sobre a identidade dos doadores e receptores de gametas e embriões, unicamente excetuado em casos de motivação médica.

A disposição busca  proteger os direitos constitucionais à privacidade e à intimidade, e, ainda, acomodar a determinação do Código Civil de que a vida privada da pessoa física é completamente inviolável.

Mas é importante saber que o direito ao sigilo e privacidade não são absolutos e incondicionais, existindo, nesse caso específico, a prevalência do direito ao reconhecimento da filiação biológica.

O reconhecimento da filiação biológica é a busca, por parte da criança, adolescente ou adulto, de sua respectiva mãe e pai e, como consequência direta, descobrir sua origem cultural, identitária e étnica; sendo um verdadeiro exercício de direitos ligados à condição de ser humano.

Nesse prisma de análise, o reconhecimento do estado de filiação é protegido de forma plena pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não permitindo restrições, conforme observa-se abaixo:

Art.27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observando o segredo de Justiça. (g.n)

Art.48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, podendo bem como de obter acesso  irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. (g.n)

Da leitura destas duas normas, é possível obter duas conclusões fundamentais, que solucionam toda questão:

O reconhecimento do estado de filiação, incluindo assim, a filiação biológica originada por doadores de material genético, não pode sofrer qualquer forma de restrição.

A pessoa adotada, a qual convive com sua família socioafetiva e não a biológica, tem o direito de conhecer sua origem biológica, devendo o mesmo direito ser oferecido, por analogia, àquela pessoa concebida por inseminação artificial.

Importante mencionar que é com este posicionamento que majoritariamente os Tribunais brasileiros decidem, concedendo o direito à filiação sem restrições.

Importante destacar que o reconhecimento da filiação biológica de uma pessoa não pode, de forma isolada, levantar o sigilo de todos os outros doadores de gametas, sobreexistindo o direito do anonimato dos demais voluntários.

Outro ponto relevante é que o reconhecimento da filiação não acarreta, de forma automática, nos efeitos de parentesco de cunho patrimonial. Isto é, o conhecimento de quem é mãe ou pai biológico não induz automaticamente ao pagamento de pensão alimentícia pelos mesmos.

Por fim, sendo balanceados os dois pontos, é cristalino que toda a pessoa possui o direito de saber sua filiação, seja na adoção ou nas terapias de inseminação artificial, sendo o sigilo do doador mitigado em benefício do direito de saber a respectiva origem cultural e étnica.

Notas

[1] https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2020/2283

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