Filhos gerados por meio de inseminação artificial tem direito de saber quem são seus pais biológicos?

06 de maio de 2021 Por Otávio Rettori dos Santos

Sendo uma inovação na ciência médica, a inseminação artificial é umas das técnicas de reprodução assistida que busca solucionar problemas sensíveis de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação por meio de procedimentos laboratoriais.

Esta técnica pode ser utilizada por casais que utilizam seu próprio material genético (gametas) para aumentar as chances de sucesso na inseminação do óvulo, viabilizando a concepção humana e a gestação do embrião (inseminação artificial homóloga).

De forma semelhante, a técnica também pode ser utilizada por casais (homoafetivos e heteroafetivos) ou famílias uniparentais que utilizam material genético de terceiros, por meio de bancos de espermatozoides ou de óvulos, para viabilizar a paternidade ou maternidade (inseminação artificial heteróloga).

Assim, nestes casos de inseminação artificial heteróloga, sendo o doador de material genético uma pessoa alheia ao núcleo familiar constituído, questiona-se:

A criança gerada por este método laboratorial de inseminação tem o direito de saber quem seria seu pai ou mãe biológico/biológica? Seria possível a busca da identidade deste doador de material genético que concebeu uma vida?

Saber quem é pai ou mãe trata-se do direito de reconhecimento da filiação, que pode ser exercido sem qualquer limitação.

Nesse sentido, as diferentes técnicas de inseminação artificial são regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina – CFM, que determinou o uso completamente democrático das técnicas de inseminação artificial; a vedação da eugenia e da limitação do multiculturalismo e, por fim, a obrigatoriedade da doação voluntária e gratuita, impedindo que a doação de gametas se torne uma exploração mercantil, tudo conforme a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.283/2020

Porém, em relação ao reconhecimento de paternidade e maternidade, o capítulo IV, item 4 da Resolução do CFM determinou o sigilo obrigatório sobre a identidade dos doadores e receptores de gametas e embriões, unicamente excetuado em casos de motivação médica.

A disposição busca proteger os direitos constitucionais à privacidade e à intimidade, e, ainda, acomodar as determinações do Código Civil sobre a inviolabilidade da vida privada das pessoas físicas.

Mas é muito importante saber que o direito ao sigilo e privacidade não são absolutos e incondicionais, existindo, nesse caso específico, a prevalência do direito ao reconhecimento da filiação biológica.

Nesse sentido, o reconhecimento da filiação biológica é a busca, por parte da criança, adolescente ou adulto, de sua respectiva mãe e pai e, como consequência direta, descobrir sua origem cultural, identitária e étnica; sendo um exercício de direitos ligados à uma condição inerente de humanidade.

Nesse prisma de análise, o reconhecimento do estado de filiação é protegido de forma plena pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não permitindo restrições, conforme observa-se abaixo:

Art.27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observando o segredo de Justiça. 

Art.48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, podendo bem como de obter acesso  irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. 

Da leitura destas duas normas, é possível obter duas conclusões fundamentais, que solucionam toda questão:

O reconhecimento do estado de filiação, incluindo assim, a filiação biológica originada por doadores de material genético, não pode sofrer qualquer forma de restrição.

A pessoa adotada, a qual convive com sua família socioafetiva e não a biológica, tem o direito de conhecer sua origem biológica, devendo o mesmo direito ser oferecido, por analogia, àquela pessoa concebida por inseminação artificial.

Importante mencionar que é com este posicionamento que majoritariamente os Tribunais brasileiros decidem, concedendo o direito à filiação sem restrições à qualquer pessoa que busca este reconhecimento pela via judicial.

Importante destacar que o reconhecimento da filiação biológica de uma pessoa não pode, de forma isolada, levantar o sigilo de todos os outros doadores de gametas, sobreexistindo o direito do anonimato dos demais doadores voluntários.

Outro ponto relevante é que o reconhecimento da filiação não acarreta, de forma automática, nos efeitos de parentesco de cunho patrimonial. Isto é, o conhecimento de quem é mãe ou pai biológico não induz automaticamente ao pagamento de pensão alimentícia.

Por fim, sendo balanceados os dois pontos, é cristalino que toda a pessoa possui o direito de saber sua filiação, seja na adoção ou nas terapias de inseminação artificial, sendo o sigilo do doador mitigado em benefício do direito de saber a respectiva origem cultural e étnica.

 

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