O que fazer após comprar um imóvel por contrato?

05 de julho de 2022 Por Flávio Oliveira e Ana Contrera

Imagine que você encontrou o imóvel dos sonhos à venda, ou está investindo em um imóvel. Contrato assinado, e pagamento feito. O imóvel é seu, e não há nada mais com o que se preocupar. E agora, o que fazer após comprar um imóvel por contrato?

Ocorre que, mesmo tendo firmado e cumprido fielmente com o contrato de compra e venda, você ainda não é proprietário do imóvel de acordo com a legislação brasileira. Então, o que fazer?

Mas antes de respondermos à pergunta acima, alguns conceitos devem estar claros. Veja só:

O que é, ou o que pode ser considerado um Contrato?

O termo “contrato” guarda diversas possibilidades de definição. Para nosso objetivo, diremos que um contrato é um tipo de negócio jurídico, surgido da vontade das partes e revestido pelo autorizamento legal, que sujeita os contratantes ao cumprimento de obrigações lá estabelecidas. 

Em um contrato, os contratantes dividem uma relação recíproca e simultânea de crédito e débito. Pensemos no exemplo do contrato de compra e venda (art. 481 do Código Civil): o vendedor é credor da quantia prometida pelo comprador, o que coloca o comprador em uma posição de devedor de uma prestação (pagar pelo bem). Ao mesmo tempo, o vendedor também é devedor de uma outra prestação (entregar o bem ao comprador), o que torna o comprador credor (sendo o crédito o recebimento do bem adquirido). A isso podemos chamar de sinalagma contratual. 

Portanto, veja que um contrato lastreia uma relação em que se exige e se garante às partes um crédito e débito reciprocamente. Enquanto um sistema garantidor da palavra dada, o contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda) e traz (ou deveria trazer) segurança e previsibilidade de que sua finalidade será atingida.

E é aqui que temos uma situação peculiar quando o assunto é a contratação para a venda e compra da propriedade de um bem imóvel

O contrato de compra e venda de imóvel garante a propriedade?

A resposta objetiva e direta a essa pergunta é: Não.

Apesar de o contrato de compra e venda de imóvel garantir e estabelecer os direitos e obrigações das partes, ele faz do comprador tão somente um credor. De acordo com Código Civil, a propriedade de bem imóvel somente se transfere, isto é se consolida em favor do comprador, quando do registro do título translativo (instrumento particular ou a escritura pública de compra e venda), perante o Cartório de Registro de Imóveis competente.

Tamanha a importância do registro mencionado acima que, enquanto o contrato não é registrado, presume-se que o vendedor ainda seja o proprietário do imóvel (art. 1.245, § 2º, do Código Civil). Essa situação pode trazer prejuízos gravíssimos.

Por exemplo, se o vendedor estiver mal intencionado e vender o mesmo imóvel a um terceiro, este pode acabar registrando o contrato firmado e retirar do comprador inicial a possibilidade de ser, efetivamente, dono do imóvel. Sendo que em tal situação o comprador inicial ainda se verá obrigado a mover ação judicial na tentativa de anular aquela compra e venda ou de ser ressarcido pelo valor pago ao vendedor que agiu de má-fé.

Outra hipótese corriqueira é a de o vendedor envolver-se em dívidas e seus credores penhoraram aquele imóvel que, apesar de ter sido vendido, a transferência da propriedade não foi registrada. E como sem esse registro, presume-se que o vendedor é dono, o credor atua de boa-fé e poderá conseguir ver o bem penhorado, deixando o comprador em delicada situação.

As hipótese acima ilustram conflitos corriqueiros no dia a dia do advogado, ainda mais quando as partes (pessoas físicas e até mesmo empresas) fazem os “contratos de gaveta”, que são firmados e não são registrados, muitas vezes, para “facilitar” ou “baratear” o processo de aquisição de um imóvel. 

O problema é que, dentro de um contrato sem registro, quem compra não é proprietário. Por tais razões que se diz que, quem não registra, não é dono.

O que eu preciso para registrar minha propriedade, e o que fazer se houver resistência ou impossibilidade? 

Sabendo que ter um contrato de compra e venda não garante a transferência da propriedade, sendo preciso registrá-lo nos termos da Lei, importa saber que o vendedor deverá assinar a operação de transferência na presença do oficial registrador. Feito isto e pagos os emolumentos, a transferência da propriedade será prenotada na matrícula do imóvel, em atenção ao art. 1.246 do Código Civil. 

Mas e se o vendedor se recusar a comparecer? Ou pior, e se o vendedor estiver falecido ou desaparecido quando da ocasião de registro do contrato de compra e venda? O que fazer após comprar um imóvel por contrato nesse caso?

Para situações como essas, o sistema legal brasileiro dispõe de uma medida judicial chamada de adjudicação compulsória, cujos fundamentos estão no art. 1.418 do Código Civil, arts. 16 e 22 do Decreto-Lei nº 58/1937, e na Súmula 239 do Superior Tribunal de Justiça. Por meio da adjudicação compulsória, a parte pode obrigar a outra a efetuar a transferência da propriedade do bem imóvel

Inclusive, vale pontuar que esta ação pode ser ajuizada até mesmo pelo vendedor contra o comprador, quando este apresenta impossibilidade ou resistência em colaborar para que seja registrado o contrato. Nesse caso, a adjudicação é conhecida como adjudicação compulsória inversa. 

Ajuizada a ação, a parte resistente será citada para que possa explicar ao juiz as razões de defesa, bem dizer, do porquê resiste à transferência da propriedade do bem imóbel. 

Nos casos em que uma das partes simplesmente desaparece, aplicam-se as regras do art. 876, §3º do Código de Processo Civil, em que a parte será comunicada via Edital no Diário Oficial de Justiça tomando a ciência ficta da existência da ação e, com efeito, de sua revelia que levará à presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor da ação.

E se tanto o vendedor quanto o comprador são falecidos?

Já na hipótese em que o vendedor ou o comprador são falecidos, a ação será direcionada ao espólio do morto em caso de existência de processo de inventário em trâmite. Ou, se finalizado ou não aberto o inventário, será direcionada aos herdeiros (vide arts. 618, inc. I, do Código de Processo Civil, e 1.742 do Código Civil), os quais serão citados a apresentarem defesa nos autos e, se o caso, condenados a transferir a propriedade do bem.

Posso ajuizar ação de adjudicação compulsória a qualquer tempo?

Outro ponto que pode gerar alguma preocupação é o prazo, ou seja, até quando se pode ajuizar uma ação de adjudicação compulsória. Explica-se que, quando se fala em adjudicação compulsória, está se falando de um direito potestativo, afastando a incidência de prazos prescricionais ao ponto de ser considerada “imprescritivel” .

Muitos dos Tribunais de Justiça do País, e também o Superior Tribunal de Justiça, são tendentes a admitirem a imprescritibilidade da ação de adjudicação compulsória. Contudo, fazem a ressalva de que esse direito cessa quando o bem imóvel foi alvo de usucapião já julgada. Isto porque, sendo a usucapião meio de aquisição da propriedade, este, se concretizado, retira o direito de quem poderia ter adjudicado imóvel, mas não o fez ao longo do tempo.

Assim, a ação de adjudicação compulsória pode ser ajuizada a qualquer tempo. Entretanto, apesar de imprescritível, o direito à adjudicação não é insuperável, e pode ceder vez frente ao usucapião de outrem sobre o mesmo imóvel.

Adjudicação compulsória e outorga de escritura

Diante destas breves considerações, vimos que a adjudicação compulsória pode ser uma meio eficaz para obrigar a transferência da propriedade de bem imóvel. A ação resguarda os direitos e o patrimônio tanto do comprador, quanto do vendedor, evitando-se ainda que terceiros de boa-fé sejam prejudicados. Para isso, a ação tem como requisito a existência de um contrato relativo ao bem imóvel e a prova do pagamento realizado pelo imóvel.

Não há como prever com exatidão o tempo de demora da ação de adjudicação, mas a média é de 1 a 2 anos, podendo ser mais rápida ou mais demorada. Com a sentença favorável da ação de adjudicação, o juiz será o responsável pela lavratura e assinatura da carta de adjudicação, a qual concede a propriedade do determinado bem. Essa carta deverá ser encaminhada ao Cartório de Registro de Imóveis, com o objetivo de obter a outorga definitiva da escritura, efetivando-se o requisito de registro do título translativo exigido no art. 1.227, do Código Civil e tornando-se definitivamente proprietário do imóvel em questão.

Portanto, atenção e diligência são fundamentais, antes, durante, e depois de firmado o contrato de compra e venda, devendo-se ter atenção a cada uma das cláusulas estipuladas e aos prazos que o vendedor e o comprador deverão se comprometer a efetivar os melhores esforços para a transferência e registro da propriedade do imóvel em benefício do comprador.

 

Referências

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarTesauro.asp?txtPesquisaLivre=PACTA%20SUNT%20SERVANDA

Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil esquematizado®, v. 2 / Carlos Roberto Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016.

Gomes, Orlando________ p.11/12

https://www.projuris.com.br/contratos-direito-civil/#O_que_e_um_contrato

https://www.imovelweb.com.br/noticias/socorretor/dicas-para-corretor/contrato-de-gaveta-quais-os-riscos/ 

Compromisso de Compra e Venda, 4ª ed., São Paulo, Ed. Malheiros, 1998, pág. 72

 

Leia também:

O uso de imóveis adquiridos em regime de multipropriedade.

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